terça-feira, 25 de março de 2008

Escolha

Se você quiser levar um ornitorrinco nas costas, fique à vontade. Mas não estarei ao seu lado quando você procurar o oceano mais próximo para se jogar - junto com ele.

Pode alimentá-lo com essas suas preocupações diárias. Com o trânsito congestionado, com o arranhão no piso da sala, com as roupas acumuladas pra passar.

Com seu ornitorrinco, você pode até se sentir um super-herói e achar que todos os seus problemas estarão resolvidos. E que poderá criticar os políticos e decidir sobre a vida dos outros com a cara limpa. Afinal, você tem um ornitorrinco.

Mas nem algo tão raro vai apagar o inevitável: a vida não é uma pizza que você monta com seus ingredientes favoritos. Assuma isso.

Já aproveite para assumir seus erros, medos e limitações.
Não, não quero que você se renda a eles como se rendeu ao ornitorrinco. Quero que os entenda. Que os enfrente.
Nem o maior oceano vai deter você.

Me avise se for tentar isso, que daí eu fico. Pode escolher: ou o ornitorrinco ou você.

quinta-feira, 20 de março de 2008

Nostalgia

Lembrava de como era bom o tempo passado. A vida, as amizades, a convivência... Era fácil estar perto das pessoas, a alegria sempre estampada no rosto, dividida através de sorrisos, e abraços, e carinhos.

Só agora percebe como a vida e suas muitas voltas o castigaram. Ele sabe que, de certa forma, consentiu. No fundo, sempre torceu para que tudo fosse diferente. Porém, só torceu.

Hoje, não há mais carinhos, nem sorrisos calorosos, nem abraços. Só restaram as lembranças dos gestos e das sensações, quase vivos demais na memória e no coração.

terça-feira, 18 de março de 2008

Advinhação

Meu erro foi tentar prever teus passos. Como um trem que nunca chega, esperei por coisas que não poderiam acontecer.

Perdi duas ou três apostas comigo mesma até entender que vias outro mundo, tão diferente de mim.
Só não me julga porque a culpa é quase sempre tua.

Quando começava a entender meus erros, vinha o passo em falso em tua armadilha: teu sorriso a me dizer tudo bem.

Com tudo bem e sem cigarros eu viveria um século. Só que esse teu jeito, esse teu jeito me atropelou, me deixou caída no meio do asfalto. Nem ali o oráculo acertou.

Tudo bem. Meu erro mesmo foi gostar desse teu jeito. Imprevisível de saber onde iria me perder.

domingo, 16 de março de 2008

Monocromático

Teu sorriso parece chover hoje - tão cinza. Há qualquer coisa no canto da boca que denuncia a incerteza. Por que continuas achando que tu não és capaz de seguir adiante?

Deve ser medo que está em teu sorriso hoje.

E mesmo quando falas, pareces antecipar a dor [a dor é um arco-íris em tua voz]. A chuva vai adiante, tu sabes. Enquanto é garoa aqui, é tempestade lá.

Deves ir para dentro de ti para não se molhar.

Por enquanto, só vejo chuva em teu sorriso. Só não te esqueças que, durante o dilúvio, podes até nadar.

quinta-feira, 13 de março de 2008

(In)Certezas

- Irônico isso não? Morrer - a única certeza que se tem durante a vida.
- É como se fosse o destino dando um sorrisinho. Aquela cara de 'eu já sabia'.
- É.
- Triste ser logo com ela, não? Tão cheia de vida?
- Logo ela que gostava tanto de palavras.
- Das ditas e cantadas.
- Sim, gostava de celebrar a vida com palavras.
- E agora...
[Silêncio]
- Você acha que a gente vai para algum lugar?
- Depois?
- É.
- Acho que mesmo se a gente não for já está valendo à pena.
- O quê?
- Isso. Isso que a gente chama de vida.

domingo, 9 de março de 2008

Quase algodão

Formou-se como uma grande nuvem. Pequenos pedaços de vapor, pouco a pouco, juntaram-se em um manto acinzentado. Era princípio de tempestade. Das capazes de viajar quilômetros só para inundar o lugar certo – deserto da dor humana.
Foi assim naquele dia. Não demorou muito para que as lágrimas caíssem, revelando uma nuvem de saudade sobre seus olhos.
A brisa que ficou depois da chuva trouxe a certeza de que as coisas mais importantes da vida não voltam. Ficam apenas como lembranças no horizonte.

quinta-feira, 6 de março de 2008

Cacofonia

Eu falo mas ninguém me ouve. Tento ouvir mas não consigo.

- Me dá uma mão aqui!
- Que horas são?
- Esta é a incessante busca dela.
- Vou levar o cachorro do meu tio pra passear.
- Ele a disputa com afinco.
- Que, Jo?

Deve ser tudo culpa da cacofonia que me cerca.

[...] rabisco o sol que a chuva apagou

Era tão sereno o ar da tarde, aquele ar inconfundível. A brisa feito o suspiro de quem chega em casa, alívio.
Foi a menina quem quebrou ar da tarde. Como um aviãozinho, tentava chegar ao céu. À parte final da amarelinha, enquanto brincava sozinha, com sua energia saltitante.
Primeiro riscou a giz. Escolheu a pedrinha com a aerodinâmica mais perfeita que encontrou e saiu a pular pelas lajotas desenhadas.
O céu era tão alaranjado e próximo. Tão sereno e próximo que deu vontade de ser sempre tarde. Tarde pra brincar feito menina. Tarde pra sonhar feito criança.

domingo, 2 de março de 2008

II

Elas.

Sempre elas. Parecem gafanhotos com suas asas de vidro. Cortantes e o mesmo zumbido. Têm aquele gosto verde que se perde na escuridão noturna. Saem aos saltos, milimetricamente pensados, por caminhos tão iguais. Da boca ao ouvido. Da razão ao sentido. Esse jeito tão artrópode de dizer o não dito.

Você falou um exoesqueleto, eu bem vi as falsas vogais.

Palavras articuladas são gafanhotos. Tão verdes, tão pouco naturais.
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